Algumas semanas atrás, pude conhecer o Pequeno Cotolengo, de Cotia, uma residência inclusiva do Estado de São Paulo administrada por uma organização não-governamental fundada por São Luís Orione, um clérigo que queria ser padre não apenas para a igreja, mas desejava expandir sua atuação àqueles afastados.
A assistente social, Marcela de Fátima Lino, me contara um pouco sobre o lugar, enquanto a equipe que viera com o Abarcar, a gangue de motoqueiros Insanos e algumas ligas da faculdade, iam se acomodando para começar suas atividades. O Lucca carregava as cadeiras para posições mais estratégicas, o Jorge e a Giulia organizavam os voluntários com os pacientes, e nesse meio tempo, Marcela introduzira uma nova informação à conversa: Ikigai.
- Você conhece Ikigai?- Ela perguntou e eu tive que lutar contra o ímpeto de dizer sim quando claramente não sabia. - Ikigai…
É o que acontece quando você encontra sua razão de viver, ela explicou. Marcela me contou que fora adotada ainda na barriga materna. Nos anos seguintes, quando ela começou a trabalhar como educadora social em orfanatos, ela decidiria seguir neste caminho de assistência, para que pudesse ajudar outras crianças a encontrarem um lar. Fazia sentido, disse ela, foi seu momento ikigai, quando sua paixão, missão, vocação e profissão se encaixam e o senso de propósito emerge.
A adoção e o propósito sempre foram palavras-chave na minha vida, por ser adotado e por acreditar com veemência em desígnios superiores, mas naquele momento, nas entonações em que Marcela punha, pareciam tão vivas, tão ricas.
As semanas posteriores a esse encontro apresentaram seus desafios, e talvez mais alguns fios de cabelo em minha cabeça tenham ou se tornado brancos, ou desistido e caído, e eu fui questionado sobre o porquê fazer o que faço. Naqueles momentos, as palavras ikigai e propósito gritavam dentro de mim e eu lembrava de mais um momento daquela ação.
Logo ao fim dos atendimentos, tive tempo para sentar próximo à médica em atendimento, e pude fazer as seguintes constatações: mutirões em saúde, ações grandes com todo o tipo de aparatos que se possa imaginar, são preciosas para mim. As vidas alcançadas não tem preço e acredito que exista magia na resistência implicada em atender mais de cem pessoas por dia. Mas, ações intimistas tem meu coração e alma. Ações nas quais eu posso sentar e observar o silêncio entre as falas, como se som algum transpassasse a atenção implicada ali, ações nas quais a medicina não prevalece sobre o tempo de qualidade, ações nas quais olhares se fixam e sorrisos tem calma em desabrochar. Ações sutis, atos sussurrantes que transformam o mundo.
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